‘Ó de Outono’ – tradução de um conto de Osamu Dazai

Em Março de 2019, tive a honra de ser agraciado, pelo terceiro ano consecutivo, com uma menção honrosa na modalidade de tradução Japonês-Português no Concurso Literário Yoshio Takemoto, organizado pela Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil (Resultados: https://www.kakinet.com/cms/?p=2115). Nesta edição do certame, traduzi A, Aki 『ア、秋』 (Ó de Outono) um pequeno conta da autoria de Osamu Dazai 太宰治, um dos nomes maiores da literatura japonesa da primeira metade do século XX. Esta tradução foi particularmente desafiadora devido ao recurso frequente a aliterações com a vogal «a», constante da palavra «aki» (outono).

Sobre o autor: Osamu Dazai nasceu em 1909, na prefeitura de Aomori. O seu romance mais famoso intitula-se Ningen Shikkaku 『人間失格』(Literalmente: Falhanço Humano), publicado em 2014 pela Cavalo de Ferro sob o título Não-Humano. É considerado um dos autores que mais impulsionou o movimento de ficção auto-biográfica e confessional (私小説 Shishōsetsu). Faleceu em 1948, em Tóquio, com apenas 38 anos de idade.

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Osamu Dazai 太宰治 (1909-1948)

OSAMU DAZAI

«Ó DE OUTONO»

tradução de André Pinto Teixeira

Um poeta profissional nunca sabe que pedidos o esperam. Por isso, deve ter sempre a postos os seus materiais poéticos.

    Quando chega um pedido “sobre o Outono”, penso “devo pôr mãos ao trabalho”, e, então, procuro a secção da letra «O», que tem ocasos, oceanos, olhos, outonos e muitos outros apontamentos. Dentre esses, seleciono as partes do Outono e, já recomposto, examino as suas notas.   

    Nelas, estão escritas as palavras libelinha e transparente.

    Essas palavras parecem aludir para as libelinhas que, vindo o Outono, enfraquecem.  Perecendo os seus corpos, voam somente os seus espíritos trémulos. Pelos raios de sol autunais, é possível ver através dos corpos das libelinhas.

    Está escrito que o Outono é um resquício do calor estival. É terra queimada.

    Está também escrito que o Verão é candelabros, e o Outono, lanternas. 

    Está escrito cosmos, crueldade.

    Certo dia, enquanto esperava um prato de zaru-soba[1] num restaurante de soba dos subúrbios, abri uma velha revista ilustrada que estava em cima da mesa. No seu interior, havia uma fotografia do grande terramoto. Num campo queimado, uma mulher envergando uma yukata[2] axadrezada; apenas ela, cansada e agachada. Eu apaixonei-me por essa mulher miserável, apaixonei-me ao ponto de me arder o peito. Cheguei a sentir por ela um desejo aterrador. Mas, ao que parece, a tragédia e a paixão são opostos. Quase nem conseguia respirar, tal era a dor. Quando me cruzo com as plantas cosmos nos campos desolados, sinto a mesma angústia. Tal como as cosmos, as glórias-da-manhã outonais sufocam-me instantaneamente.    

    Está escrito que o Outono chega ao mesmo tempo que o Verão.

    Durante o Verão, o Outono esconde-se furtivamente: ele já chegou, porém as pessoas, ludibriadas pelo calor tórrido, não são capazes de o enxergar. Escutando com cuidado, ouve-se o choro dos insetos que acompanha a vinda do Verão. Olhando atentamente para o jardim, descubro as campainhas-da-China, que florescem mal começa o Verão. As libelinhas são originalmente insetos estivais, e é também no Verão que os caquis dão fruto. 

    O Outono é um demónio astuto. Durante o Verão, apronta todas as suas vestimentas e, acocorado, ri com desdém. Um poeta tão perspicaz quanto eu é capaz de descortiná-lo. Quando oiço a gente que me é próxima dizer, com um ar divertido, para aproveitar o Verão, dar uma ida à praia ou à montanha, considero-o deplorável. O Outono já cá está, veio junto com o Verão, oculto. O Outono é teimoso até à raiz.

     Que tal uma história de terror? Uma massagem? Oi! Está aí alguém?

     Os capins-zebra que convidam. Lá ao fundo haverá, decerto, um cemitério.

     Quando lhes pedimos direções, as mulheres emudecem. Um prado sem vida.

     Ali, estavam escritas várias coisas cujo significado não entendia. Devo ter tirado estas notas por algum motivo. Porém, nem eu compreendia muito bem qual a motivação para o ter feito.

    Do exterior da janela, observo uma feia borboleta de Outono rastejando em redor do solo negro do jardim. Por ser mais robusta que o normal, permanece viva, sem que morra. Está escrito que não possuía nada de remotamente efémero.  

    Sofri muito quando registei estas palavras. Nunca me esquecerei de quando as escrevi. Todavia, sobre isso, nada revelarei por agora.

    Está escrito: um oceano abandonado.

    Alguma vez visitaram uma estância balnear no Outono? Na praia, dão à costa sombrinhas com padrões quebradas, resquícios de divertimento; foram também jogadas fora lanternas com a bandeira do sol nascente, grampos de cabelo, papeis usados, cacos de discos, garrafas de leite vazias… o mar enturvecido, levemente encarnado, atinge-as clamorosamente com as suas ondas.

    O senhor Ogata tem filhos, não é?

    Quando chega o Outono, a pele seca. Que saudades…

    Para andar de avião, o Outono é a melhor estação.

    Não entendo bem o que queriam dizer, mas pareço ter tirado notas de uma conversa sobre o Outono que escutara sub-repticiamente. 

    E também está escrito o seguinte:

    É suposto os artistas serem sempre amigos dos mais fracos.

    Até essas palavras, de modo nenhum relacionadas ao Outono, estavam ali escritas. Ou, talvez, também elas fossem aquilo a que se chama de “pensamentos da estação”.
   Ainda mais:

   Camponeses. Um livro ilustrado. Outono e soldados. Bichos-da-seda autunais. Um incêndio. Fumo. Um templo.

   Estavam ali escritas muitas coisas, desprovidas de ordem.   


[1] Massa de trigo servida fria.

[2] Um quimono casual de Verão.

Original Japonês disponível, em open source, no portal de literatura Aozora:
https://www.aozora.gr.jp/cards/000035/files/236_19996.html

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